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Pio Penna comenta a crise política na Ucrânia
Ucrânia - Futuro Incerto
Pio Penna Filho *
Os últimos acontecimentos na Ucrânia são preocupantes. O país atravessa uma das suas piores crises desde a Segunda Guerra Mundial, com resultado absolutamente imprevisível. Até mesmo o melhor cenário não é nada animador. O grande problema é que a crise ucraniana, além de promover uma ruptura interna, afeta diretamente as relações da Rússia com o Ocidente atraindo para si poderosos atores internacionais.
O país vive muitos dilemas, sobretudo econômicos, políticos e identitários. A economia ucraniana vai muito mal das pernas, com crises em vários setores e um enorme déficit público. Em termos políticos, partidos, coalizões e sociedade estão fragmentados, com grupos elevando o radicalismo. No campo da identidade, há uma forte influência russa que é aprovada por alguns e repudiada por outros tantos.
O que a Ucrânia está vivendo hoje é consequência de uma série de equívocos e de atitudes nada republicanas de suas lideranças políticas, uma vez que setores importantes de suas elites se locupletaram às custas do Estado quando do fim da União Soviética, ao longo da década de 1990. Aliás, nesse quesito há quem diga que a Ucrânia é um Brasil piorado.
Fato é que as elites do país não conseguiram implementar um projeto desenvolvimentista e, então, a crise econômica e a dependência externa foram se agravando ao longo dos anos. Tal quadro levou a contestações e a tentativas de romper com o status quo, o que fez com que alguns setores políticos mirassem o Oeste, alimentando dissensões internas e promovendo mais ingerências externas.
Agravante para a questão ucraniana é que o país joga um papel de grande destaque na geopolítica russa. Além de ser o último anteparo da Rússia frente a Europa, em seu território está localizado o principal da frota do Mar Negro, vital para a projeção de poder e para a defesa russa em termos navais. E há também aspectos relacionados à geopolítica energética, uma vez que a maior parte dos gasodutos russos que servem a Europa atravessam o território ucraniano.
A Ucrânia, pode-se dizer, é vital para a Rússia. E a Rússia, de certa forma, ainda é vital para a Ucrânia, haja vista o alto grau de dependência do país frente à potência do Leste. Mas são dependências assentadas em bases diferenciadas. A Ucrânia pode, gradativamente, diminuir sua dependência da Rússia, mas a Rússia não ficará, de forma alguma, satisfeita com uma Ucrânia hostil ou aliada dos seus prováveis inimigos.
Sempre é bom lembrar que as piores agressões que a Rússia sofreu ao longo de sua história vieram do Ocidente e todas passaram, naturalmente, pela Ucrânia. As mais marcantes foram as promovidas por Napoleão e Hitler, uma no século XIX e outra no XX. De certa forma, quando setores políticos ucranianos miram e buscam se aproximar do Ocidente (Europa), parte dos russos tranca a cara.
Não há saída para a crise ucraniana que não passe pela Rússia. Ou assistiremos a um processo negociado, com garantias que efetivamente satisfaçam o governo russo, ou a probabilidade de uma intervenção militar russa aumentará exponencialmente. O problema, como sempre, é que quem mais sofrerá as piores consequências, caso a situação se deteriore ainda mais, será a gente comum da Ucrânia, como já aconteceu em outros momentos da história.
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* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]
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