Afeganistão ? O início do fim
Pio Penna Filho*
Charge do USA Today, de 02/05/2011 aludindo a retirada das tropas norte-americanas
do Afeganistão após a morte de Osama Bin Laden.
Norte-americanos e europeus anunciaram na semana passada o início da retirada de suas tropas do Afeganistão. Embora o discurso oficial seja de vitória, não há muito o que comemorar. De toda forma, para boa parte dos afegãos haverá de ficar a convicção de que terão superado, a duras penas, é verdade, mas terão superado, mais uma intervenção estrangeira em seu país.
Em nome da guerra contra o ?terror? os norte-americanos lideram uma intervenção pesada no Afeganistão que teve início em 2001, quando começaram a bombardear posições suspeitas de abrigar os terroristas da Al Qaeda e alvos militares e não militares associados ao então governo dos Talibãs.
Gradativamente houve uma escalada no conflito, com a incorporação da aliança ocidental na intervenção. Ou seja, já não se tratava mais de uma mera intervenção exclusivamente norte-americana, mas sim da OTAN, o que inclui os tradicionais aliados europeus dos Estados Unidos.
A vida no Afeganistão, que já era sofrível, principalmente após a implementação do fundamentalismo islâmico mais radical levado a efeito pelos Talibãs, virou um verdadeiro inferno para a maioria dos afegãos. Além da insegurança provocada pela violência da guerra, agora com potências estrangeiras em solo e sedentas de vingança por conta dos atentados terroristas aos Estados Unidos, a população teve que enfrentar o aumento da escassez de gêneros de primeira necessidade e privações de toda a ordem.
O resultado foi um impressionante fluxo de refugiados que se dirigiram para vários países vizinhos, principalmente o Paquistão, levando consigo todas as mazelas decorrentes de uma situação de guerra intensa. Pode-se dizer, inclusive, que houve o transbordamento do radicalismo islâmico vinculado aos Talibãs para o exterior. Não é à toa, por exemplo, que Osama Bin Laden passou um bom período de sua clandestinidade no Paquistão.
Mas muito diferente do que pensavam os norte-americanos e europeus, suas tropas não foram exatamente bem recebidas como libertadoras no país. A resistência nunca cessou. Desde os primeiros ataques até hoje, os afegãos continuam lutando destemidamente contra a presença interventora em seu país. E não apenas os Talibãs, ou o que sobrou deles, são os responsáveis por essa impressionante capacidade de resistência.
De toda forma, a constante desde a intervenção internacional foi a violência que atingiu em cheio os civis. No fogo cruzado entre os radicais Talibãs e a coalizão internacional, milhares de civis pereceram nas montanhas, nas cidades, nas aldeias e nos campos de refugiados. Em 2010, que foi considerado o ano mais violento, os dados oficiais indicam que cerca de 2800 pessoas morreram no país. E esse número provavelmente é bem maior.
A retirada das tropas da coalizão seguirão um cronograma dilatado, haja vista que a previsão para a retirada total está marcada para 2014. Até lá o quadro político pode mudar bruscamente, tanto no Afeganistão quanto fora dele. De qualquer maneira, o início do fim da intervenção, antes da derrota final dos Talibãs, é um sinal de que as ações dos Estados Unidos e da coalizão não alcançaram, afinal, o objetivo de desbaratar o grupo Talibã.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]