Aids: Drama Africano
Pio Penna Filho*
A Aids é uma epidemia mundial, mas a situação no continente africano é, de longe, a mais dramática entre todas as regiões do mundo. O dia mundial de luta contra a Aids é um bom momento para refletirmos sobre essa situação peculiar que tanto sofrimento tem causado à humanidade, no geral, e aos africanos, em especial.
Os dados disponibilizados pela UNAIDS, o Programa Conjunto da Nações Unidas sobre HIV/Aids, referentes à epidemia na África subsaariana nos indicam claramente a complexa e difícil situação do continente, senão vejamos: a África ao sul do Saara abriga 67% dos infectados em todo o mundo; 72% dos óbitos mundiais;um total de aproximadamente 22,4 milhões de pessoas infectadas. Apenas em 2008 foram constatados quase dois milhões de novos casos. É, de fato, um quadro para lá de preocupante.
Em alguns pequenos países africanos o drama é ainda maior. Veja-se a situação da Suazilândia e do Lesoto, por exemplo. A Suazilândia está classificada como o país mais afetado do mundo, com cerca de 26% da sua população atingida pela epidemia. No Lesoto, um pouco mais de 23% da população é soropositiva. Outro a despontar pela gravidade acima da média é Botsuana.
Mas não só pequenos países africanos ocupam posições tão ruins no ranking mundial. A África do Sul, que possui a economia mais desenvolvida entre os Estados africanos, é o país com o maior número de pessoas vivendo com Aids no mundo. Pelos dados oficiais, são 5,7 milhões de pessoas infectadas e com acesso precário ao tratamento.
Esses números, disponibilizados pela UNAIDS, provavelmente são subestimados. Não há muito controle na maior parte dos Estados africanos com relação a epidemias e mesmo outras estatísticas. No geral, os países africanos não contam com estrutura adequada e poucos possuem programas públicos amplos que induzam as pessoas a buscar tratamento oficial, umas das maneiras mais eficazes de se conseguir dados confiáveis e mais completos.
Dentre os infectados pela Aids na África as mulheres são as mais atingidas. Estima-se que cerca de 60% dos africanos soropositivos sejam mulheres, sendo que dentre elas o grupo mais vulnerável é o que compreende as jovens entre os 15 e 19 anos. Não raro, a contaminação vem acompanhada da gravidez, o que acaba promovendo o nascimento de crianças soropositivas, haja vista que o tratamento especializado, que poderia evitar o contágio da mãe para o filho, não é acessível à maior parte das pessoas.
Por que será que a Aids se transformou numa epidemia tão disseminada e sem controle na África subsaariana? Certamente não foi obra do acaso e nem tampouco castigo divino. Uma fator que ajuda a explicar a absurda escalada da doença no continente foi a omissão do Estado na prevenção da Aids. As autoridades africanas demoraram muito tempo para agir e quando acordaram para a nova realidade a disseminação já havia atingido uma escala assustadora, em parte valendo-se de práticas e costumes africanos que propiciaram seu crescimento.
De todo o drama acima relatado temos no horizonte pelo menos uma boa notícia. A de que na maior parte da África subsaariana verifica-se atualmente uma estabilização do quadro e mesmo a redução do contágio. Não há muito o que comemorar, mas pelo menos estamos podendo vislumbrar um futuro melhor para as novas gerações.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]